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‘O nome de Deus no discurso político’, por padre Paulo Adolfo Simões


Artigo escrito por padre Paulo Adolfo Simões - diretor do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara (Cefep)

Estamos em ano eleitoral. Teremos, em outubro, eleições gerais no país, quando elegeremos nossos representantes para os executivos e legislativos federal e estaduais, além do Distrito Federal. Todas as eleições são importantíssimas para a democracia e para nossas vidas, pois nelas, fazemos a escolha das pessoas, mulheres e homens, que conduzirão os destinos do país por pelo menos quatro anos. As eleições este ano, por serem gerais, revestem-se de uma importância maior, pois nelas escolheremos os mandatários/as maiores do país: presidente da república, deputados e senadores, além dos mandatários estaduais.

Desde as eleições de 2016, um fenômeno ganhou grande força no discurso eleitoral, uso do discurso religioso no debate político. Essa tendência teve início desde que a Secretaria Geral dos Direitos Humanos – SGDH, em 2009, propôs o Programa Nacional de Direitos Humanos 3 – PNDH3. A partir daí foram impulsionadas as candidaturas do campo evangélico e conservador ao legislativo, como forma de combater tal programa. Mas, foi em 2016 que o uso do nome de Deus chegou aos palanques eleitorais de forma contundente. Desde então se falou sobre o assunto. Ainda em 2018 um grupo de pastores das Igrejas Presbiteriana e Metodista escreveram um manifesto, intitulado “Carta Pastoral à Nação Brasileira” na qual repudiam o uso da religião por candidatos com tendências autoritárias. Recentemente a CNBB, reunida em assembleia remota, aprovou a “Mensagem ao povo Brasileiro”, 59ª AG CNBB: Mensagem ao Povo Brasileiro, que, também condenou o uso do discurso religioso na política eleitoral.

Mas vamos refletir um pouco mais sobre o assunto, começando por uma pergunta simples: por que os candidatos passaram a adotar a temática religiosa como discurso político? Até agora as respostas apontam dois elementos. Um primeiro é o aumento dos eleitores evangélicos que tendem a ter maior fidelidade às orientações de seus pastores que o eleitor tradicional católico. A esse grupo, soma-se o grupo de católicos que se autodenominam conservadores ou tradicionalistas que têm o mesmo nível de fidelidade a seus “gurus”. Esse público religioso constituído por evangélicos e católicos tem apreço maior pelas pautas de costumes que as pautas sociais. E defende as “pautas de costumes” de forma apologéticas, como uma defesa da própria religião. Consideram que as grandes “desgraças do mundo” tem suas causas nos pecados humanos, frutos de costumes moralmente liberais e não em opções político-econômicas erradas. Um segundo elemento que motiva o uso do discurso religioso como discurso político é o baixo nível de compreensão do que seja política em seu sentido mais verdadeiro por parte das pessoas em geral. Isso acaba por produzir atores políticos (pessoas individuais e organizações partidárias) que não tem respostas para as muitas e complexas crises por que o país passa. Também esses atores políticos sequer tem um projeto de país. Consequentemente o único discurso que conseguem fazer e aos quais os eleitores reagem é o dos costumes.

Mas, demos um passo a mais. O Papa Francisco, apontado por muitos como um dos únicos grandes estadistas da atualidade, em seus ensinamentos tem feito propostas amplamente aceitas pela maioria das Igrejas cristãs e lideranças de outras religiões e pelo conjunto da sociedade, sobretudo os meios acadêmicos e científicos. Já em sua primeira Exortação Apostólica, Evangelli Gaudium, convida a todas as pessoas a se envolverem na política como uma forma de “cuidar do que é de todos” e assim construir um mundo melhor. Na Encíclica Laudato Si qual trata da grave crise sócio ambiental e chama a atenção para o cuidado do planeta terra, nossa “Casa Comum”. Por fim, na Encíclica Fratelli Tutti o Papa trata da “Melhor Política” compreendida como amizade social. Nesta carta Francisco dedica o capítulo V todo para falar da “Melhor Política”. Nele, ao tratar do amor político, diz: “Reconhecer todo ser humano como irmão e irmã não é mera utopia e buscar uma amizade social que integre todos e todas não são meras utopias… um indivíduo pode ajudar uma pessoa, mas quando se une a outros para gerar processos sociais de fraternidade e justiça para todos entra no campo da caridade mais ampla, a caridade política”. Nessa fala do Papa estão duas palavras que trazem conceitos chaves para a compreensão cristã de política: fraternidade e justiça. Fraternidade e justiça devem estar vista do bem comum: de todas, de todos.

Porém, não é isso que se percebe nos discursos políticos que usam ostensivamente o nome de Deus. Pelo contrário, pregam o ódio e a violência contra as minorias ou a quem ouse pensar e viver de forma diferente. Culpa-lhes como se fossem os responsáveis por todos os males da sociedade e dividem a sociedade entre maus e bons (ação diabólica). Ao fazer isso defendem a manutenção do status quo (a situação como ela está) mantendo o sistema de opressão de uma minoria muito rica contra a maioria empobrecida, justamente o contrário da justiça social da Doutrina Social da Igreja. Tudo isso deixa bastante claro que, o uso do discurso religioso como discurso político, e político eleitoral, não é tão inocente e nem ao acaso. Mas é um discurso bastante conveniente, aos que controlam o sistema econômico internacional. Esses multimilionários que concentram em suas mãos mais de 50% das riquezas produzidas por todos temem que um discurso político que seja de fato político, buscando o bem comum, em que o religioso entre como contribuição na defesa da fraternidade, da justiça, da paz, da solidariedade, ponha essa “ordem estabelecida” em risco. Na verdade, é um discurso diabólico usando o nome de Deus. Jesus já falou em lobos com pele de cordeiro ou em falsos pastores…

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