EM QUEM VOTAR? – Um texto ainda muito atual, escrito por Dom Luciano Mendes de Almeida (que trabalhou com Dom Paulo Evaristo Arns; foi secretário-geral da CNBB e arcebispo de Mariana). Texto divulgado em 12/08/1989.
Estamos a poucos [meses] dias da eleição presidencial. Para o regime democrático é indispensável a participação constante dos cidadãos na vida política do país. A expressão da corresponsabilidade pelo destino da pátria se traduz, de modo privilegiado, pelo exercício do voto consciente e livre.
Em quem votar?
Muitos perguntam quem é o candidato da Igreja. Insistem até na conveniência de que, entre tantos presidenciáveis, seja indicado aquele que mais mereça o apoio das comunidades. Cabem aqui algumas considerações
1) A Igreja não tem candidato nem partido. Ela tem valores e critérios em vista do bem comum. A Assembleia do Episcopado Católico, em abril deste ano, elaborou de modo conciso as “Exigências Éticas da Ordem Democrática”, como subsídio para o discernimento dos cristãos. Os critérios elencados no texto foram oferecidos pela contribuição das próprias comunidades e dioceses. À luz do Evangelho, são apresentados os princípios básicos da dignidade, solidariedade da pessoa humana e as principais decorrências que não podem faltar à sociedade democrática. Neste sentido é de se esperar que sejam respeitados e assumidos por todos os presidenciáveis. Aliás, a aceitação ou rejeição desses valores ajudará como critério de escolha do candidato para o cristão e as comunidades.
2) Entre as exigências éticas, sublinhamos o respeito à vida desde a concepção, a salvaguarda das populações indígenas, a garantia da liberdade religiosa, o compromisso com a educação e saúde do povo, dando prioridade absoluta às crianças, o dever de criar condições para a livre participação política dos cidadãos, para o trabalho com salário digno, o respeito à família, a repartição mais equitativa da terra e solo urbano, com busca de soluções para as favelas e cortiços.
3) No plano da atuação pessoal são indispensáveis ao candidato a competência e o testemunho de vida séria e honesta, comprovada no exercício das responsabilidades anteriormente assumidas. Requer-se ainda a capacidade de governar de modo participativo, valorizando a contribuição dos demais, mesmo que pertençam a outros partidos. O bem comum merece e requer a colaboração de todos para além de ressentimentos, retaliações e diferenças na campanha política. Fica um forte apelo aos presidenciáveis para que evitem demonstração de força, ataques pessoais que prejudiquem não só a campanha mas a concórdia social.
4) Pertence ao regime democrático o pluralismo partidário. Nenhum partido consegue responder plenamente às justas aspirações do povo. Os candidatos devem apresentar seus programas. A isto corresponde a liberdade de escolha por parte dos cidadãos. Os meses de campanha podem contribuir para a formação política do Brasil. Na hora do voto apenas um candidato será eleito mas deverá se beneficiar das propostas trazidas pelos demais presidenciáveis e o povo terá crescido na compreensão dos problemas e na busca de soluções.
5) Qualquer declaração de voto por parte de membro da Igreja tem valor meramente pessoal. Isto não impede que haja um esforço de discernimento nas comunidades para ajudar na identificação do candidato que melhor realize os critérios em vista do bem comum, desde que haja pleno respeito à escolha de outros membros da comunidade.
6) A eleição do presidente, ainda que importante, não é tudo. Neste período realiza-se a elaboração das leis complementares da Constituição dos Estados, das leis orgânicas dos municípios. Isto requer a participação do povo.
Os meses passam rápido. O novo governo terá que se defrontar com as enormes dificuldades que conhecemos. Desde já aprendamos a nos unir, não só para sair da crise econômica mas para, com a graça divina, construirmos um Brasil no qual os milhões de empobrecidos tenham acesso à vida digna de filhos de Deus.
[Texto extraído do livro : “Dizer o Testemunho”, que apresenta artigos de Dom Luciano. Edições Paulinas]. Clipping: Rede Nesp