Em outubro teremos eleição para presidente da república, governo dos estados, senado e câmaras federal e estaduais. Eleições são tempos de tensões, disputas e euforias. Os sentimentos falam mais alto que os fatos e os argumentos. Muitas vezes chegam ao extremo de paixão e ódio que transforma disputa em guerra, adversários em inimigos. Candidatos e partidos fazem de tudo para atrair e mobilizar sentimentos. E muitos não hesitam em difamar e agredir o adversário, espalhar fake news ou mentiras, disseminar preconceitos e ódio e até mesmo manipular o sentimento religioso das pessoas.
Uma das coisas que mais chama atenção na política brasileira nos últimos tempos é a manipulação política da religião (instrumentalização das igrejas por interesses e grupos políticos contrários ao Evangelho de Jesus Cristo) e a manipulação religiosa da política (instrumentação da política por grupos e líderes religiosos). Cada vez mais se apela ao religioso para defender e para atacar projetos e grupos políticos. E normalmente em função de interesses e grupos políticos e religiosos contrários ao Evangelho. Nunca se usou tanto o Santo Nome de Deus em vão. Nunca se blasfemou tanto contra Deus…
Assistimos uma verdadeira manipulação e perversão do cristianismo por grupos políticos de extrema direita, ligados a diferentes igrejas. Em nome de “deus” e da “fé”, atacam direitos humanos, reforma agrária, demarcação de terras indígenas e quilombolas, políticas públicas para os pobres e setores marginalizados; alimentam preconceitos contra pobres, mulheres, negros, indígenas, pessoas LGBTQIA+; defendem redução drástica de políticas sociais, armamento da população e destruição do meio ambiente.
É preciso dizer em alto e bom som que esse “deus” não é o Deus de Jesus Cristo e que essa “fé” não é a fé cristã. O Deus de Jesus é o Deus que libertou o povo da escravidão do Egito, que assume a causa do pobre, do órfão, da viúva e do estrangeiro. É o Deus da vida, da justiça e da paz. E a fé cristã, que é entrega confiante e obediência a esse Deus, concretiza -se na vivência da fraternidade – amor até aos inimigos! – e na luta por uma sociedade mais justa e fraterna. Isso deve orientar e dinamizar a ação dos cristãos em todos os âmbitos da vida. Também na política. Também nas eleições.
A Igreja não é um partido político que elabora plano de governo, lança candidatos e disputa eleições. Ela não tem nem indica candidatos. Isso é tarefa dos partidos. E a escolha de candidatos compete a cada eleitor. Mas a Igreja não é indiferente à política. Nem mesmo a esse exercício político que são as eleições, uma vez que nas eleições está em jogo um projeto político ou uma forma de conduzir a sociedade. A Igreja não é um partido, mas toma partido em defesa do bem comum, da justiça social, dos direitos humanos, da paz e do cuidado da casa comum.
É nesse sentido que devemos pensar o lugar e a missão das igrejas na política como um todo e no processo eleitoral em particular. Sua tarefa é recordar e disseminar os valores e princípios evangélicos que devem dinamizar as relações sociais e a organização política da sociedade: fraternidade, justiça social, direitos humanos, paz, cuidado da casa comum. Isso deve orientar as posturas e escolhas políticas dos cristãos, bem como sua colaboração com outras pessoas e grupos da sociedade, independentemente de filiação religiosa ou mesmo de profissão de fé.
É preciso reagir contra a perversão política das igrejas: seja por políticos que usam o nome de Deus em vão, justificando políticas que atentam contra a dignidade humana, produzem desigualdade social, violência e destruição do meio ambiente (lobos em pele de cordeiro, raça de víboras); seja por pastores que fazem conchavos políticos para se aproveitarem do Estado e manipulam as igrejas, transformando púlpito em palanque e tratando os fiéis como gado (falsos pastores, sepulcros caiados).
As igrejas cristãs e as diversas tradições religiosas têm um lugar e um papel no processo eleitoral: recordar e disseminar valores e princípios religiosos que possibilitam a convivência fraterna, a justiça social e o cuidado da casa comum. Esses valores e princípios, que precisam ser mediados por projetos políticos concretos, devem orientar as escolhas eleitorais dos crentes. Mas é preciso deixar bem claro, sobretudo nesses tempos de perversão religiosa: 1) as igrejas não são um partido político, nem têm nem indicam candidatos; 2) as escolhas políticas devem ser feitas pelos crentes-eleitores que não são gado a serem arrebanhados e manipulados por falsos pastores e líderes religiosos.
Artigo de padre Francisco Aquino Júnior publicado originalmente no portal das CEBs.