“São múltiplas as vozes que, frente à deterioração rápida e violenta das instituições democráticas brasileiras têm, com lucidez, se insurgido contra os desejos autoritários que rondam nosso país”, escreve Robson Sávio Reis Souza, pós-doutor em Direitos Humanos, doutor em Ciências Sociais, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, onde também é professor do Departamento de Ciências da Religião, membro da Sociedade Teologia e Ciências da Religião (Soter).
Eis o artigo
Está cada vez mais evidente a necessidade da união de múltiplos setores da sociedade brasileira na defesa da democracia e na proteção ao que resta da Constituição de 1988. Nossa carta magna é aviltada diuturnamente pelo chefe de Estado de plantão e um Congresso, salvo exceções, que age quase que exclusivamente na defesa de interesses de corporações e grupos de pressão dos segmentos mais obtusos da Nação.
São múltiplas as vozes que, frente à deterioração rápida e violenta das instituições democráticas brasileiras têm, com lucidez, se insurgido contra os desejos autoritários que rondam nosso país.
O diagnóstico do caos político e institucional aponta para a necessidade de se envidar esforços no enfrentamento à guerra de afetos, eivada de notícias falsas, manipulação religiosa e tensionamento social promovida por setores reacionários do governo, do Congresso e da sociedade, com o objetivo de espalhar o medo, provocar o caos e possibilitar a consolidação de formas de governos que golpeiam a democracia, patrocinados por atores políticos que não têm quaisquer compromissos com o Estado Democrático de Direito.
Neste sentido, é alvissareira a união de várias entidades ligadas a movimentos eclesiais em torno do projeto “Encantar a Política”, lançado recentemente pelo Conselho Nacional do Laicato do Brasil, o Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, o Movimento Nacional de Fé e Política, o Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, entre várias outras entidades nacionais e regionais.
O projeto tem como objetivo atuar na formação do eleitorado brasileiro, por meio de um processo que possibilite uma leitura crítica do momento atual e que aponte para o exercício de uma cidadania ativa com vistas à retomada do processo de consolidação da democracia inclusiva em nosso país. A iniciativa busca uma formação e consciência política permanentes para as próximas eleições.
Dentre as ações do projeto estão previstos materiais de mobilização social, formação política e comunicação, como vídeos, podcasts, cards para as redes sociais. Um curso sobre estratégia de campanha eleitoral está sendo oferecido para candidatos de segmentos populares e a publicação de um Caderno de Estudos sobre a participação política é o principal instrumento para a mobilização social e trabalho de base do projeto.
Segundo o arcebispo de Belo Horizonte e presidente da CNBB, Dom Walmor Azevedo, que apresenta o Caderno de Estudos, “a fé cristã, autenticamente vivida, pode oferecer contribuições para debelar dos costumeiros ‘tons de guerra’ que emolduram deliberações na esfera pública. Não é atitude de fé promover ataques que simplesmente buscam destruir aqueles de quem se discorda. (…) E nenhum cristão pode permanecer alheio à tarefa de contribuir para que a sociedade se torne mais justa, solidária e fraterna: é compromisso de fé dedicar atenção à política, buscando resgatar a sua nobre vocação – singular expressão da caridade”.
Considerando a criminalização da política utilizada, inclusive pela mídia, em doses cavalares nos últimos tempos para afastar o cidadão de todos os processos de participação democrática e do processo eleitoral, desacreditando-o, lê-se noutro trecho do Caderno que “a política deve ser tratada como Arte porque ela é a prática do fazer bem feito, colocando em ação aquilo que é anseio coletivo. Isso implica obrigatoriamente em tomar decisões, fazer opções, definir prioridades. Diante das muitas necessidades e anseios da coletividade, quais devem ser definidos como prioridade? Esta é a grande questão política. Não é possível satisfazer a todos. Pelo menos, não é possível satisfazer a todos igualmente. Quem faz política tem que optar, tem que assumir algumas prioridades. E o critério será sempre o maior bem comum”.
Que o projeto Encantar a Política, juntamente com milhares de outras ações individuais e coletivas que se organizam e associam em torno da defesa da democracia, dos direitos humanos, da Constituição de 1988 e do Estado de Direito dê frutos numa renovação geral dos quadros políticos nos parlamentos e no Executivo, com a eleição de homens e mulheres que tenham na política o exercício do bem comum.
Texto postado originalmente no portal do Instituto de Humana Unisinos (IHU).