Por Élio Gasda*, publicado originalmente no portal domtotal.com
A política é o caminho para a mudança social! É onde direitos e deveres são conquistados e protegidos. É a política que garante acesso coletivo à saúde, educação, cultura, ao trabalho. A política deve produzir vida em plenitude, repleta de possibilidades. O cristão que acredita no Deus da vida, não pode permanecer alheio à política.
O cenário de demonização da política e das instituições democráticas tornou urgente a junção de esforços no combate ao caos e à tensão social promovidos por fake news e manipulações religiosas.
Várias entidades eclesiais se uniram na elaboração da cartilha Encantar a Política. O material visita temas centrais das encíclicas Laudato si e Fratelli tutti, além da exortação Alegria do Evangelho, do Papa Francisco. Seu objetivo é a formação do eleitorado para uma cidadania ativa e crítica que possibilite a consolidação da democracia para além das eleições de outubro.
O documento está elaborado em cinco capítulos: 1 – A universalidade do amor; 2 – Amizade social e ética na política; 3 – As grandes causas do Evangelho; 4- Cuidar da Casa comum; 5 – Eleições e democracia.
Papa Francisco ensina que “fazer política inspirada no Evangelho a partir do povo em movimento pode se tornar uma maneira poderosa de sanar nossas frágeis democracias e de abrir o espaço para reinventar novas instâncias representativas de origem popular”. Para os cristãos a cidadania deve ser conduzida a partir da “luz que vem de Cristo … a serviço da fraternidade social, do enfrentamento das exclusões e injustiças”.
A fé faz brotar a política da vida. É preciso alargar o conceito de amor ao próximo, de caridade, e aplicá-los a política: “É caridade se alguém ajuda outra pessoa fornecendo-lhe comida, mas o político cria-lhe um emprego, exercendo uma forma sublime de caridade que enobrece a sua ação política” (Fratelli tutti, n. 182). O trabalho deve estar no centro das políticas públicas para “que o próximo não venha a se encontrar na miséria”. O Trabalho é garantia de vida plena, digna e em abundância.
Contudo, o trabalho foi transformado em uma mercadoria. Políticos ambiciosos, apoiados por empresário sedento de lucro, se unem na promoção de políticas injustas. Um exemplo é a reforma trabalhista de 2017. Precarização do trabalho e informalidade abrem a porta para a pobreza, fome e desigualdade.
Papa Francisco explicita que solidariedade é “pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns” (Fratelli tutti, n. 116). Ser cristão é ser solidário! Por isso é tão importante a participar das eleições, das manifestações públicas e cobrar compromisso de solidariedade dos políticos e partidos eleitos. Solidariedade é um valor político.
Priorizar a vida comunitária é priorizar o bem comum: “a partir deste objetivo, (a sociedade) reconstrua incessantemente a sua ordem política e social, o tecido das suas relações, o seu projeto humano… a existência de cada um de nós está ligada à dos outros: a vida não é tempo que passa, mas tempo de encontro” (Fratelli tutti, n. 66).
A política trata dos bens públicos como saúde, trabalho, educação entre outros. Pressupõe respeito aos direitos humanos, garantia da paz social e a justa distribuição dos bens. Toda sociedade deve empenhar-se na defesa do bem comum.
A democracia é muito importante para dar voz e vez a todos que estão à margem, excluídos do bem comum: “A dignidade da pessoa humana e o bem comum estão por cima da tranquilidade de alguns que não querem renunciar aos seus privilégios. Quando estes valores são afetados, é necessária uma voz profética” (Evangelii gaudium, n. 218).
Atender reivindicações e direitos sociais e econômicos dos mais vulneráveis passa pela política distributiva, que por sua vez, só é possível a partir da política fiscal. Essa última não aparece nos debates políticos. O sistema de arrecadação e aplicação dos impostos é fundamental para implantação das políticas públicas. Pelo princípio da justiça, cada um deve pagar conforme sua capacidade. Quem tem mais que contribua com mais. Porém, no Brasil a dificuldade está em revisar as leis fiscais e orçamentárias que só servem para atender interesses eleitoreiros e do capital. A política não pode permitir a desigualdade.
A política é essencial em sociedades democráticas. Devemos fazer de cada ser humano, de modo especial os excluídos das políticas públicas, nosso próximo. “Devemos construir um futuro partindo de baixo, a partir de uma política com o povo, arraigada no povo” (Papa Francisco). Participar ativamente da política para contribuir com a consolidação de uma democracia que constrói justiça e paz, desperta a consciência ambiental e permite a justa distribuição dos bens, superando a lógica capitalista.
O caderno Encantar a política está disponível para download gratuito no portal da CNBB e no portal do Conselho Nacional do Laicato do Brasil.
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: ‘Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja’ (Paulinas, 2001); ‘Cristianismo e economia’ (Paulinas, 2016).