“Diante de ti ponho a vida e ponho a morte. Escolhe, pois a vida”! (Dt. 30,19)
“É importantíssimo, pois, qualificar sempre mais a cidadania com a luz que vem de Cristo, efetivando uma genuína cidadania eclesial – a serviço da fraternidade social, do enfrentamento das exclusões e injustiças”.
Dom Walmor Oliveira Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte e presidente da CNBB
Dom Walmor, ao escrever a apresentação do Caderno “Encantar a Política”, aponta a importância da participação de cristãos e cristãs comprometidos com o Evangelho no processo eleitoral em curso no país. Numa palavra: “Ser sal da terra e luz do mundo” (Cf Mt 5,13-14). Essa participação, no entanto, não é simples e nem tão fácil. Pois as elites econômicas que dominam o país construíram a falsa ideia de que religião e política são campos diferentes da existência humana e que não dialogam entre si. Muitos cristãos e cristãs acreditam ser essa a sua percepção pessoal da realidade a partir da fé.
Na verdade, é algo incutido na mentalidade popular, portanto uma ideologia, com um só objetivo: afastar o povo das principais decisões que afetam sua vida. Desta forma uma elite, que se julga iluminada, continua tomando as decisões mais importantes para o país. Na verdade, essa tal elite é a elite econômica: oitocentos e duas (802) pessoas, segundo o sociólogo Jessé Souza em seu livro Elite do Atraso. Essa pequeniníssima elite que manda no Brasil desde os tempos da colônia não quer perder seu poder. Nem pretendo dividi-lo com a maioria da população. As consequências dessa estratégia elitista são bem perceptíveis, mas nem sempre compreensíveis. Por um lado, temos uma sociedade extremamente polarizada. Mas, não a polarização ideológica tão falada. A verdadeira polarização do Brasil é a econômica. Essa, coloca nas mãos de menos de 1% da população mais de 50% das riquezas naturais e produzidas no país enquanto relega metade da população à pobreza, sendo 13 milhões de pessoas em estado de pobreza absoluta.
Mas o que é mesmo que os cristãos têm a ver com isso? Bom, o evangelista João nos conta que Jesus disse: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Cf Jo. 10,10). Os Evangelhos também nos contam que Ele alimentou, por cinco vezes, a multidão faminta, multiplicando os pães, ajoelhou-se aos pés dos apóstolos com um avental e, após lavar lhes os pés, mandou que também eles fizessem isso aos outros. Isso tudo, sem falar do Antigo Testamento, que conta a libertação do povo da escravidão do Egito e os profetas que falavam violentamente contra a injustiça dos ricos que não cuidavam dos pobres. Ou seja, as seguidoras e os seguidores de Jesus devem colocar suas vidas a serviço do próximo à exemplo do Bom Samaritano. Devem cuidar dos necessitados e empobrecidos. E vários papas, desde Pio XI, passando por São Paulo VI, até Francisco ensinam-nos que a política é a melhor forma de fazer caridade. Na encíclica Fratelli Tutti Papa Francisco mostra que a caridade política tem um alcance extremamente superior à caridade individual, pois beneficia muito mais gente.
Mas, como deve ser a participação política da cristã e do cristão? Podem pessoas que creem em Jesus e querem viver o Evangelho votar em candidatas e candidatos de qualquer partido político? É o próprio Jesus quem responde a isso quando vai fazer refeição na casa de pecadores públicos como Mateus (Mt. 9) e Zaqueu (Lc 19), chama zelotes, que defendiam a violência armada, para serem seus discípulos e se deixa cercar pelos falsos moralistas fariseus, que viviam uma religião de aparências e atitudes acusatória contra os outros. É evidente que Jesus não concorda com várias das práticas desse grupos e pessoas, mas, não deixa de estar com eles. Como nos ensina São Paulo: “Fiz-me tudo com todos para ganhar alguns” (cf. 1Cor 9,22).
Portanto, pelo exemplo de Jesus, os cristãos não estão impedidos de participar de nenhum partido político e nem a Igreja recomenda que participe de algum partido específico. Faz parte da natureza missionária da fé cristã, que os seguidores de Jesus estejam em todos os espaços para apresentar a proposta do “Reino de Deus” trazida por Jesus. Porém, não se espera que haja algum partido político que contemple totalmente os ideais do Evangelho. Por isso, cristãs e cristãos podem e devem participar de todos os partidos e devem votar em candidatos e candidatas que melhor representem seus ideais. Há apenas um tipo de espaço no qual cristãos podem se recusar a participar: onde lhes seja negado expressar a sua fé.
Quando vão fazer suas escolhas, porém, cristãs e cristãos devem levar em conta apenas uma coisa: estão escolhendo pessoas e partidos que defendem a vida ou que defendem a morte? Papa Francisco nos recorda que a Igreja sempre defende a vida de forma clara a apaixonada em todas as suas etapas e que seja digna para todos (Cf. Gaudete et Exsultate 101). O critério então é escolher a candidata ou o candidato que melhor tenha condições de promover a vida plena para todos e todas em todos os seus aspectos.
Nesse sentido é bom lembrar que candidatos comprometidos com o grande poder econômico, mesmo que façam discurso de defesa da vida, estão concordando com a morte e a vida precária de metade de nosso povo.
Na hora do voto, “escolha, pois, a vida”!
Padre Paulo Adolfo Simões é secretário executivo do CEFEP, uma das entidades parceiras do Encantar a Política.