Neste ano de eleições gerais, as cristãs e os cristãos são chamados a participar ativamente do processo eleitoral. Assim, uma pergunta surge: como deve ser nossa atuação, a partir da fé que professamos? Essa pergunta é importante, pois gente que segue Jesus Cristo precisa fazer a diferença na sociedade em geral e na política em especial. As eleições são importantes porque é o momento em que faremos a escolha não só das pessoas que vão nos governar, mas do projeto político que queremos para o país. O Caderno “Encantar a Política”, aprovado pela CNBB, traz alguns apontamentos sobre esse “como” no terceiro capítulo, que tem como título “As grandes Causas do Evangelho”. O capítulo todo se fundamenta na exortação apostólica Evangelii Gaudium (EG), do papa Francisco. Nele, o papa afirma: “Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo” (EG 176). São quatro as grandes causas do Evangelho apontadas nos documentos citados.
1) A relação profunda entre Evangelização e Política
Todo o capítulo IV da EG trata dessa relação afirmando que “Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo”. A proposta de Reino de Deus nos pede que a vida seja sempre valorizada, seja a vida dos nascituros e também a vida dos que já nasceram. Importante para o Reino não é somente nascer, mas também viver abundantemente (Jo 10,10). Vida abundante é vida com dignidade. O Reino realiza-se quando todas e todos vivam inteiramente, sendo cada pessoa o que é de fato, como afirma dom Pedro Casaldáliga. Pedro Casaldáliga que, ao chegar ao estado do Mato Grosso, vindo da Espanha como missionário, fez uma constatação: “Aqui, nascer e morrer é fácil. Difícil é viver”. Quanto mais Deus reinar no mundo, mais o mundo será espaço de vida. Vida digna inclui: fraternidade, justiça e paz. Vida plena é vida sem a competição que o mundo prega. As periferias são as que mais sofrem com um mundo competitivo sem fraternidade, justiça e paz. Então, o papa indica que a implantação do Reino se dará pelas periferias e, assim, nos convida a fazer política começando pelas periferias. Vida plena é também vida de paz e em paz.
2) A paz fundada na Justiça
A paz que Jesus de Nazaré veio trazer é a paz fundada na justiça. Em seu tempo, se falava na “Pax Romana”. Essa era uma paz armada, imposta pelo império dominador e opressor. Hoje, temos a paz do mercado financeiro que visa proteger a propriedade privada, mesmo que a maioria não tenha nenhuma propriedade. Temos também a paz da prosperidade e da segurança financeira para enfrentar os grandes problemas da vida, a qual é a idolatria do dinheiro. É uma paz sem ética, sem caridade, sem fraternidade. A paz fundada na justiça, proposta por Jesus e devemos defender, é fundada no diálogo e na solidariedade, a qual vai além da compaixão. É a paz que nos faz ver a todos e todas como irmãos e irmãos, imagem e semelhança de Deus. É fundada também na justiça que manda dar a cada pessoa o que ela precisa para viver com dignidade.
3) As causas estruturais da pobreza
É fácil apontar as causas individuais da pobreza e da riqueza. Nos últimos anos, aumentou a pobreza no Brasil, o que colocou de novo o país no mapa da fome da ONU, segundo relatório de 2021. Quase um terço da população está em insegurança alimentar moderada ou grave. No mesmo período, inclusive com a pandemia da COVID-19, a concentração de riquezas também aumentou, escandalosamente. Entretanto, difícil é definir as causas estruturais da pobreza. Precisamos cuidar para não cairmos em dois grandes erros ao falarmos de pobreza. Um é pensar que pobreza é “vontade de Deus”, argumento fatalista de cunho religioso. O outro é considerar que “o pobre é culpado da situação em que vive”, argumento usado pelo ultraliberalismo econômico que busca culpar o pobre e criminalizá-lo. O primeiro argumento paralisa nossas ações contra a pobreza em favor do pobre. O segundo convence-nos de que o pobre possa ser visibilizado e até mesmo eliminado, moral e fisicamente. Os bispos da América Latina, reunidos em Medellín (1968) já nos falaram dos pecados estruturais. Esses pecados são os que causam a pobreza e a morte de milhões de pessoas. O Brasil, como toda a América Latina, padece de uma desigualdade escandalosa na distribuição de rendas, mesmo sendo uma das maiores do mundo. Isso é resultado do sistema de colonização e da escravidão de milhões de pessoas trazidas da África. Esse sistema perverso gerou uma elite branca e rica que tem ódio ao pobre. Esse ódio é, ao mesmo tempo, consequência e o alimento do racismo estrutural. Se queremos transformar a sociedade, precisamos recorrer ao saber especializado das ciências sociais.
4) Para uma civilização do amor
Essa expressão é usada, primeiramente, por São Paulo VI e retomada por Francisco. Não basta lutar pela diminuição da pobreza como forma de construir um mundo de paz. É preciso avançar para uma ordem social e política cuja alma seja a caridade social. Francisco nos convida a fazer esse avanço por amor a todos os seres humanos, imagem e semelhança de Deus, mas também por toda a criação. Aqui, não se trata de um sentimentalismo, mas um amor concreto, eficaz. Um amor que faça a diferença na vida dos milhões de pobres que padecem diariamente a carência das condições básicas de vida. Um exemplo dessa civilização do amor ainda se vê entre os mais pobres nas comunidades carentes.
Por fim, é preciso dizer que a vivência e a defesa das grandes causas do Evangelho não são um otimismo ingênuo, mas fruto de luta e enfrentamento.
Sempre tendo como inspiração e fundamento as grandes causas do Evangelho, avancemos em nossa vivência e ação política, sobretudo fazendo a diferença neste ano eleitoral.
Artigo publicado originalmente no site da Arquidiocese de Pouso Alegre (MG). Padre Paulo Adolfo Simões é presbítero da Arquidiocese e secretário executivo do CEFEP.