Desde 2020, o Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), a Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), o Centro Nacional de Fé e Política “Dom Hélder Câmara”, o Movimento Nacional de Fé e Política e o Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp PUC-Minas) começaram a organizar um projeto de formação política chamado “Encantar a Política”. Foi lançado em 28 de abril de 2022, tendo como proposta atuar na formação do eleitorado brasileiro, por meio de um processo que possibilite uma leitura crítica do momento atual e que aponte para o exercício de uma cidadania ativa.
Outras organizações eclesiais se somaram, como as Comunidades Eclesiais de Base e a Pastoral da Juventude, e o Encantar a Política vem se espalhando por inúmeros espaços ao longo da Igreja e da sociedade brasileira nesses meses. Vem também fortalecendo e inspirando outras iniciativas neste sentido, como o “Vote pela Amazônia”, com o compromisso com a preservação e o cuidado dessa região tão violentada, bem como o “Vote contra a Fome”, tendo a superação da fome, que afeta hoje “33 milhões de brasileiros”, como o critério para a escolha de candidatos e da condução do país nos próximos tempos. Também vem corroborar com a iniciativa da Família Franciscana do Brasil “Escolha a Paz e o Bem” neste tempo eleitoral, em vista da garantia da “paz”, enquanto vida plena a todos, e do “bem comum”, garantindo saúde, educação, alimentação, emprego, renda e habitação a todos, sendo, assim, critérios para a escolha de candidatos nas eleições de 2022.
O Encantar a Política, contudo, não se limita ao processo eleitoral de 2022. Visa tocar as consciências e a formação do povo brasileiro de modo continuado e a longo prazo, ciente de que a construção do país precisa envolver os esforços e a participação de todos, em um processo permanente de garantia dos direitos inalienáveis e de justiça social. Também, nos últimos anos, vimos, com bastante evidência, como as pessoas muitas vezes percebem a política, o direcionamento da condução do bem comum, como se fosse uma “novela” ou um “filme”, que tem um final feliz e que basta só assistirmos. Isso é fruto de uma negação de nosso dever na participação política, do cuidado do bem comum, ou mesmo é relegá-la a um espaço impróprio ou “sujo”, do qual temos de nos afastar, tendência que leva a quem usurpa da política, a cada vez mais atender a seus interesses escusos com o mau uso dela.
Por isso, diante da cultura atual, que prioriza, com frequência, o emocional e o visual, “encantar” toca ainda na realidade dos sentimentos e do apreço, por isso “encantar a política” vem compreender também os afetos e os anseios imediatos, que muito conduzem as pessoas nas decisões e ações. De modo que “encantar a política” visa perceber a pessoa no seu todo, na reflexão e na sua construção coletiva, bem como nas necessidades e significados pessoais. Por isso, é um processo de muita atenção a “comunicar a política” com os meios que atingem as pessoas nos dias de hoje (podcast, postagens nas diversas redes sociais, programas de rádios, etc).
Diante da importância de envolver as pessoas na participação política, o Papa Francisco ainda nos diz que “não se pode justificar uma economia sem política, porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspectos da crise atual” (FT 174) e que precisamos, aliás, “unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar” (LS 13), diante da economia atual que agrava a realidade da desigualdade social, com o acúmulo das riquezas nas mãos de cada vez menos pessoas no mundo e no Brasil…
O Papa também nos diz que “um indivíduo pode ajudar uma pessoa necessitada, mas, quando se une a outros para gerar processos sociais de fraternidade e justiça para todos, entra no ‘campo da caridade mais ampla, a caridade política” (FT 180). Desse modo, nada justifica o nosso afastamento dos espaços de decisão e de condução da sociedade, pois, como reitera o Papa Francisco, nesse sentido, a política “é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum” (FT 180).
Certo de que historicamente nosso povo brasileiro teve pouco tempo de participação e acesso ao processo político, em um país com quase quatro séculos de bárbara escravidão e uma nefasta ditadura de duas décadas, temos, todavia, em nosso meio, diversas lutas e iniciativas populares, reivindicação de direitos básicos e muita experiência de participação. A partir delas, vamos avante, cientes de que as decisões e a condução do país tocam a todos, o que requer de nós consciente e responsável envolvimento e compromisso evangélico, pois Cristo não se resignou a viver sua prática transformadora só “na casa em Nazaré”, mas em todos os espaços da sociedade de sua época.
Artigo escrito por Frei Marcelo Toyansk, OFMCap. Publicado originalmente no portal da Conferência dos Capuchinhos do Brasil.