O último capítulo do Caderno Encantar a Política aborda a importância das eleições de 2022 para a manutenção (e o aprimoramento) da democracia brasileira ou o enfraquecimento (e o colapso) da sociedade democrática que conseguimos construir até hoje. O texto apresenta o decadente contexto político, econômico, social e ambiental em que vivemos.
Neste contexto destacam-se fenômenos como a doença (principalmente pela omissão de autoridades públicas no enfrentamento da Covid-19), o desemprego, trabalho precário, inflação, fome, devastação ambiental, carestia e serviços deficitários (educação, saúde, saneamento básico, transporte público).
Uma escolha verdadeiramente ética e consciente deverá recair sobre os (as) candidatos (as) que propõem uma saída daquele cenário caótico. Ao contrário, os candidatos que trabalharam para produzir tal cenário ou defendem os promotores desse contexto, deverão ser derrotados democraticamente nas urnas. Estes últimos representam o capitalismo de rapina, cujo lucro vem da apropriação privada de bens comuns e do rentismo, por se tratar daquela “economia que mata”, como ensina o Papa Francisco.
Os políticos indignos de serem eleitos ou reeleitos são aqueles ligados aos madeireiros, grileiros, garimpeiros e outros invasores de terras públicas ou territórios indígenas, que protegidos por milícias ou mesmo por policiais e militares, descumprem a Constituição e permanecem impunes, porque se sentem amparados por agentes do Governo Federal.
Esses políticos geralmente estão associados aos banqueiros, empresários do agronegócio, da mineração e de serviços urbanos, que se beneficiam de decretos que favorecem a evasão fiscal, práticas antiecológicas e a exploração e precarização de trabalhadores e trabalhadoras.
O aumento da fome constitui elemento marcante desse cenário devastador. O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (julho de 2022), aponta que 33, 1 milhões de brasileiros não têm o que comer. Essa edição recente da pesquisa mostra que mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau – leve, moderado ou grave (fome). O país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990.
Estudos feitos com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (IBGE) mostram também que desde o ano de 2014 a taxa de pobreza nas metrópoles teve um salto de 16% para 23,7%, o que representa a entrada de 7,3 milhões de brasileiros na linha da pobreza. Ao longo desse período o percentual da população em situação de pobreza aumentou em todas as grandes cidades. As que tiveram maiores índices foram: Manaus (41,8%), São Luís (40,1%), Recife (39,7%), João Pessoa (39,2%) e Macapá (38,3%).
Este cenário construído nos últimos anos representa uma forte motivação para que os brasileiros participarem das eleições, escolhendo candidatos comprometidos com a erradicação da fome e da pobreza. O aprofundamento gradual dessa situação mostra que os atuais mandatários ignoram as necessidades básicas da população, mas mobilizam-se em prol de interesses pessoais e das classes elitizadas da sociedade. Seguindo essa dinâmica, eles negam a atual crise socioambiental, trabalhando para a destruição da Amazônia e dos outros biomas brasileiros.
Esse cenário não pode ser resolvido somente com uma eleição, sendo necessário um envolvimento constante das pessoas. Espaços de participação política devem ser estimulados e criados para que a população possa exercer a sua cidadania. Tal envolvimento pode ser individual, mas também é necessário que seja coletivo.
Os movimentos populares são estratégias imprescindíveis para a alteração desse cenário de morte. Precisamos de uma grande união política pelo Brasil, não um acordo de cúpula para defender os interesses de poderosos ameaçados de perderem os seus privilégios.
O critério fundamental para que essa mudança aconteça é a opção preferencial pelos pobres. Esse critério coloca as populações mais vulneráveis como centro das mobilizações políticas. Esse critério será mais determinante à medida que os movimentos populares permaneçam na luta por melhores condições de vida. Em nome desse critério não se deve votar, por exemplo, em quem apoiou a Emenda Constitucional 95/2016 (que estabelece o teto de gastos por 20 anos para políticas públicas), nem em quem votou a favor da reforma trabalhista, da redução da maioridade penal, da reforma da Previdência Social ou contra os povos indígenas.
Embora não seja a única maneira de participar da política, as eleições de 2022 podem iniciar uma nova fase na história do Brasil, engendrando condições mínimas para a construção de um cenário mais favorável à democracia. Substituir os mandatários quando esses complicam a vida dos mais empobrecidos é uma possibilidade dada àqueles que detêm o poder do voto. Façamos uso dessa ação transformadora!
Artigo publicado originalmente no Amazonas Atual. *Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG). Membro da Companhia de Jesus (Jesuíta), atualmente é professor da Unisinos e colabora no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), sediado em Manaus/AM.